BLUES
Sentir-se blue* é como uma abstracção,
é o alhear total de qualquer situação,
é uma viagem solitária, só solidária com o som,
ou atrás de uma imagem distante na memória,
um afastamento emocional do real,
uma caminhada cega, um bater surdo do coração
a ritmar os nossos gestos, como se energia a economizar,
uma miragem de glória sempre inacessível,
tanto, que se poderia designar o impossível a ambicionar,
quando pouco se sabe de tudo, não se pensa, tanto faz,
segue-se aquela peugada invisível, feita de som, com
o beat, os rasgos dos solos de viola e o choro das melodias,
nos levando para um desconhecido monocolorido,
onde nos ferimos sem dor, onde sofremos sem chorar,
com os planos suspensos sem gravidade nem idade
ao sentirmos o nosso corpo a planar no ar,
embora não sendo uma substância,
se tornou substancial para o nosso 'modus-vivendi',
um must', sim, outra vez uma obrigatoriedade existencial,
para esquecermos o animal que nos prende o espírito,
e deixá-lo livre a voar, como aquele piano de saloon'
em que as teclas se movem sozinhas
e os sons se repetem anonimamente,
através de um ruído ensurdecedor à sua volta, mas
o piano não pára de tocar, assim será o ser blue',
quando nada do exterior nos incomoda,
nada impeça a nossa cruzada continuar
com aquela expressão tenaz do infinito......
obrigando os nossos olhos fixarem o mar,
apoiando a nossa cabeça a vaguear pelo ar.
Rui Cruz